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BLOG DEFESA DA FÉ

Pode a poesia ser uma forma de oração?


Em outro texto deste blog, vimos que as Escrituras em muitos momentos são organizadas poeticamente. Aliás, o título do texto naquela ocasião foi bem elucidativo: "Há poesia nos Textos Sagrados?"


Nesta oportunidade agora, vamos nos manter no assunto da poesia, mas daremos um passo adiante. Veremos como a poesia posterior à chamada poesia escritural se comportou no transcorrer da história da humanidade. Isso é, vamos estudar como as manifestações poéticas da Idade Média até hoje em dia se relacionaram e ainda se relacionam com o tema religioso em geral e como o Cristianismo, em especial.


Para fazer isso, utilizarei em grande medida o texto de Peggy Rosenthal, intitulado “Maneiras Poéticas de Ser Religioso” (Poetic Ways of Being Religious), de forma que desde já gostaria de registrar o meu agradecimento a esta autora.


Feitas tais considerações, vamos logo ao que interessa.


Idade Média

O período da Idade Média, que se deu aproximadamente do Século V ao XV, é bastante rico na produção poética com temas religiosos.


Se tivéssemos que destacar dois poetas desse período, escolheríamos os seguintes: Judah Haveli (יהודה הלוי, em hebraico) e Dante Alighieri.

Judah Haveli

Judah Haveli (1075-1141) foi um poeta judeu nascido na Espanha. Lemos em sua poesia religiosa a esperança do retorno do povo judeu a sua Terra Prometida, Jerusalem. Juntamente com o elemento da esperança do retorno, vemos a confiança de que Deus fará com que ela se concretize.


Elementos bastante semelhantes à poesia de Judah Halevi são encontrados nos Salmos, a exemplo do de número 126, escrito por Davi.

Dante Alighieri (1265-1321), por sua vez, foi um poeta italiano que escreveu um dos poemas épicos [1. Poema épico, rapidamente falando, é aquele que se apresenta como uma narrativa longa sobre um assunto importante.] mais importantes da história da humanidade, a Divina Comédia. Este poema apresenta uma jornada através da alma humana, passando pelo Inferno, Purgatório (que não está na Bíblia), e Paraíso.


Renascença

Considerando a Renascença como o período de transição compreendido mais ou menos entre os séculos XIV e XVII, podemos destacar a poesia que foi influenciada pela Reforma Protestante, que se iniciou com o trabalho conhecido como As 95 Teses (1517) de Martinho Lutero (1483-1546), graças, é claro, a luta de muitos pré-reformadores, a exemplo de João Wycliffe (1320-1384), Jan Hus (1369-1415), Jerônimo de Praga (1379-1416), Savonarola (1452-1598), entre outros.


É que a Reforma Protestante deslocou o foco da poesia religiosa. A Reforma trouxe o foco da poesia religiosa de fora para dentro do ser humano. A Reforma resgatou conceitos importantes da igreja primitiva e, demonstrando a partir da autoridade da Bíblia, estabeleceu que não havia intermediários entre o homem e Deus.


A busca deixou de ser por um Deus distante ao qual somente se teria acesso por caminhos hierárquicos, e passou a ser por um Deus que se relacionava intimamente com o ser humano e cuja vontade poderia ser identificada não apenas no testemunho interior, mas também nas Escrituras Sagradas.


Um poeta que podemos destacar deste período é o pastor americano Edward Taylor (1642-1729), em especial em razão de seu poema Meditação 2.24, que aborda a relação de intimidade com Deus, conforme vimos acima.


Iluminismo e Séc. XIX

O Iluminismo, que se deu no Séc. XVIII (ou, para ser mais preciso, de meados do Séc. XVII à segunda metade do Séc. XVIII) com reflexos no Séc. XIX foi o período da humanidade em que a razão foi alçada à deusa de todas as coisas. Neste período, o entendimento era o de que a razão leva à verdade, enquanto a religião leva ao mito.


Peço licença para sair momentaneamente do assunto da poesia e dizer que um erro comum entre muitas pessoas é achar que todos os intelectuais (poetas ou não) dessa época eram ateus. Muito pelo contrário, muitos eram cristãos, pois foi o próprio cristianismo que ofereceu o pano de fundo para que a Ciência Moderna se desenvolvesse. Grandes cientistas também eram cristãos, a exemplo de Galileu Galilei, Isaac Newton, René Descartes, Max Planck, etc..


Voltando à poesia, contudo, devo dizer que elemento cético foi bastante forte nessa época, de maneira que o foco da poesia sai de Deus e se volta para o auto-enaltecimento do próprio homem. Quando muito, enaltece-se a natureza.


Rosenthal, no texto a que me referi no início deste post, destaca o poema “Canção de mim mesmo”, de Walt Whitman (1819-1892) como emblemático dessa época. Ela tem razão. Dois versos desse poema são especialmente significantes: “Eu celebro a mim mesmo e canto a mim mesmo” e “Divino eu sou por dentro e por fora”.


Não se via qualquer destaque para o Deus de Abraão. Era como se a humanidade houvesse mesmo escolhido viver sem Deus.


No final deste período, artistas como Charles Baudelaire (1821-1867) passaram a entender que, para o artista em um mundo sem Deus, restava a tarefa de criar seus próprios deuses, criar o elemento espiritual, transcendente. Pensamentos como esses trariam implicações importantes para a humanidade nos anos que viriam.


O próprio Nietzsche (1844-1900), neste contexto, desenvolve o seu conceito da “Morte de Deus”.


O Incrível Século XX

O Século XX, portanto, ganha de herança um pano de fundo poético de completa ausência de Deus, em que os homens tentam, sem sucesso, construir sistemas transcendentais que fariam o papel divino.


Como se não bastasse todo este arcabouço ideológico, as pessoas experimentam a realidade de uma das mais sanguentas guerras por que passou a humanidade: a Primeira Guerra Mundial.


A atmosfera é de total descrédito em tudo. Somente a ciência e a tecnologia, com a força e desenvolvimento que passam a apresentar nas batalhas entre seres humanos, parece ser merecedora de alguma estima. A ciência passa a ser a fonte da verdade e a poesia segue o mesmo caminho do secularismo, do ateísmo e do ceticismo.


Como logo se viu que a ciência tem como fundamento apenas o pragmatismo (é boa se funciona, independentemente se é verdadeira), todos se viram perdidos na busca de alguma possibilidade de verdade.


Não custou muito, e a ausência de qualquer critério levou ao relativismo total. Não havia mais critério para julgar nada como melhor ou pior.


Em razão disso, aqueles que criticavam a religião também perderam o critério a partir do qual poderiam criticar. Isso encorajou alguns poetas a retomarem a poesia sobre o transcendente.


Como ainda estavam tímidos em relação a forma de lidar com Deus, passaram muitas vezes a produzir uma poesia dita espiritual e não propriamente religiosa.

Um exemplo que ilustra muito bem tudo isso é o do poeta T. S. Eliot (1888-1965). Em 1922, ele publicou o poema “A Terra Devastada”, um dos mais importantes poemas do Séc. XX, em que apresenta a total desilusão com a existência.


Anos depois, Eliott se deparou com uma obra de Bertrand Russell (1872-1970) chamada “O Louvor de um homem livre”, em que ele argumentava que homem deveria ser o objeto de louvor do homem. O tiro saiu pela culatra. Verificando a fraqueza dos argumentos apresentados, Eliot se dedicou seriamente à reflexão sobre a sua relação com Deus e, para a surpresa de muitos, converteu-se ao Cristianismo.


Para que você tenha uma ideia, veja a estrofe IV do último dos Quatro Quartetos [2. T. S. Eliot, Antologia Poética, Trad. José Palla e Carmo, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1988]:


A pomba a descer corta o ar Como chama de terror incandescente Da qual as línguas declararam A única descarga do pecado e do erro. A única esperança, ou então o desespero Jaz na escolha de pira ou da pira Ser redimido do fogo pelo fogo.

Quem então concebeu o tormento? O amor O amor é o Nome não familiar Por trás das mãos que teceram A camisa intolerável da chama Que o poder humano não pode remover Apenas vivemos, mal suspiramos Consumidos pelo fogo ou pelo fogo.


Temos aqui uma claras alusão ao Pentecostes, narrado no Livro de Atos, Capítulo 2. Veja os primeiros quatro versos:


E, cumprindo-se o dia de Pentecostes, estavam todos concordemente no mesmo lugar; E de repente veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso, e encheu toda a casa em que estavam assentados. E foram vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles. E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem.

(Atos 2:1-4)


O Século XXI


Hoje em dia, a poesia religiosa volta à tona e exerce o seu papel de se relacionar com Deus. Para pegar um poeta contemporâneo, podemos citar o americano Pattiann Rogers (nascido em 1940), que em uma frase estabelece o sentido da poesia cristã atual.


Ele disse que sua poesias são orações. De fato, como o protestantismo estabeleceu de forma clara que, segundo as Escrituras, orar é conversar com Deus, as poesias estão na categoria das conversas mais sinceras com o Senhor. Assim, fazer poesia, hoje em dia, é sim possível e, mais que isso, é uma forma de oração.


Se quiser, assista logo abaixo a alguns trechos da aula referente ao texto que foi produzido aqui nesta postagem.



Deus abençoe,

Tassos Lycurgo


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